Opinião: "O metrô. A Barra e o sonho. E o triste pensamento."



Esta semana, conversando sobre metrô, escutei um amigo meu, morador do Leblon, expressar a sua opinião irredutivelmente contrária quanto à ampliação das linhas cariocas visando a Copa de 2014 e as Olimpíadas em 2016. O motivo, diz ele: evitar que haja “população descompromissada com o bairro” circulando pela sua praia. Na hora, fiquei meio sem reação e até constrangido. Afinal, não sendo morador do Leblon, seria eu um destes “descompromissados”? Esse tipo de pensamento fez despertar em mim uma antiga discussão a respeito de outro bairro do Rio de Janeiro.

Já há muito tempo eu ouço dizer que quem mora na Barra não é carioca. Os que verdadeiramente são nos avisam que lá por aquelas bandas sequer tem calçada, que não se vê rua e que ninguém se arrisca a andar a pé. As regras, dizem eles, são diferentes no feudo da Barra, onde os carros dominam as pessoas e os prédios dominam a ordem. É um modelo isolado, disperso e distante – em que as pessoas se fazem barrenses, mas não nascem cariocas.

De fato, o bairro padece de certos males – como todos os outros também o fazem, vale lembrar. No entanto, há algo que atrai a atenção dos críticos da região e que logo fornece energia ao seu resmungar: é a velha lenda do “sonho de viver na Barra”.

O precursor deste pensamento foi o arquiteto Lúcio Costa: grandes avenidas, amplos espaços abertos e a pretensão de inovações arquitetônicas. Os condomínios, vendendo a quase auto-suficiência, tornaram-se o desejo maior da classe emergente carioca. Aos poucos, viver na Barra virou coisa “chic”, doce lar de ricos e ‘novos ricos’.

Foi nesse cenário que a Barra da Tijuca virou gigante. Desenvolveu-se, ganhou amantes... E, quase ao mesmo passo, viu crescer o número de pessoas que lhe odiava, fazendo mais forte a fama de “feudo”. Eram os velhos ricos que não deitaram no sonho barrense.

A Barra de hoje explodiu. A idéia original do único bairro 100% projetado e de crescimento ordenado foi distorcida. O “boom” imobiliário tomou conta e não há mais vias que suportem este crescimento. Ser isolado, disperso e distante só acontece se não há formas de se chegar ao destino, se não há transportes eficientes. Atualmente, alcançar a Barra virou sacrifício. O trânsito a tudo envolve. Viagens que deveriam levar 15 minutos, demoram 1 hora - tanto ao se locomover para dentro do bairro como para fora dele. É isso que torna a Barra isolada do Rio de Janeiro, que torna a própria Barra dispersa demais para si mesma e que faz com que tudo pareça excessivamente distante.

Essa realidade, porém, não é exclusiva da Barra da Tijuca. É do Rio atual. E, em geral, muito pior do que na própria Barra da Tijuca. No entanto, a Barra, pelo simples fato de ter moradores com maior poder econômico, torna-se o alvo de várias destas críticas. O que muitos não percebem é que o verdadeiro feudo do Rio de Janeiro vem exatamente do lado oposto. Vem daquele mesmo sujeito morador da Zona Sul que é contra a ampliação do metrô por não querer que a “população descompromissada com o bairro” circule pela área.
É esse o tipo de pensamento que derruba a cidade, que desune as regiões e que só faz piorar a qualidade de vida de quem aqui vive.

Comentários

  1. Não há pior pensamento do que este. A "população descompromissada" nada mais é do que uma forma de discriminação. A verdadeira população descompromissada é a que pensa assim! Descompromissada com o Rio de Janeiro!

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  2. Muito interessante o texto cara , volto para mais visitas aqui

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  3. Não sou do Rio então fiquei geograficamente perdido xD

    Mas a essência em si... O mundo é de todos neah man, acho até que isso sirva para aproximar as pessoas.

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  4. Oi cara, gostei muito e quero seguir o seu blog, mas como faço? Tambem tenho um, passa-la:
    http://stefanisatiro.blogspot.com

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  5. Nossa, que estupidez tremenda! "População descompromissada com o bairro" ?! O que que os habitantes do Leblon fazem para se dizerem "compromissados" com o bairro deles?!
    Eu sou barrense E CARIOCA. E não me sinto o território de ninguém quando tô na zona sul. Pelo contrário, tô na minha zona de conforto - o Rio.
    Com todos os (pseudo)problemas que dizem da Barra, AMO morar aqui e dificilmente sairia pra ir pra zona sul - nada me faz adotar aquelas ruas com prédios colados uns nos outros e ventos que não tem por onde passar em meios aos paredões de concreto como meu lar. Não quero abrir minha janela de manhã e ver outro prédio 30cm do meu.
    Adoro a Barra.

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  6. Ao acaso, deparei-me com esse texto em seu blog. Além de escrever bastante bem, vc traduziu perfeitamente uma das mais importantes causas do caos urbano instalado no Rio. Tal pensamento é passado de geração em geração, permeando os jovens e os mais idosos e, assim, perpetua-se a decadência da cidade conhecida como "maravilhosa".

    Gostei muito! De vez em quando, passarei por aqui.

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