Conto: "Primeiro Amor"



João Pereira Oliveira acordou depressa naquele dia. Mal dormira. Levantou sonhando, pensando ansioso no dia que já vai ser. Dentes perfeitos, banho tomado, cabelo escovado: é hora de ir. Abre a porta do quarto, puxa a gaveta, procura daqui e bagunça dali, pega três dinheiros – “beijo, mãe!” - fecha a porta de casa e lá vai. Adorava o cheiro de dia nascendo, “o perfume da alvorada” dizia, quase suspirando.

Dona Maria, a dona da floricultura - “Rosas?”. “Uma só, por favor: aquela das pétalas bem formosas, se possível for”, responde o educado João. Ele acha um, dois, três dinheiros (os mesmos que catou da gaveta do armário) e troca pela flor e as formosas pétalas. Ganhou também, nem percebeu, o sorriso simpático da velha Maria - senhora que adora o brilho dos jovens em jovens amores.

Luiza de Lurdes olhava, serena, a cada pedalinho da Lagoa. Gostava do jeito calminho que tudo por lá se envolvia. A harmonia das águas, os braços do Cristo e até o cheirinho da pipoca de carrinho. Sem dúvida, seu lugar favorito. João, por quem esperara, chegara logo em seguida: um sorriso no rosto e uma rosa na mão. Mal conseguia conter a alegria.

João e Luiza estavam sentados em frente à Lagoa Rodrigo de Freitas. Era o mesmo banquinho de tempos atrás, quando a coragem forçou o menino a falar de amor pela primeira vez. Na ocasião, a ela se declarou. “Namora comigo?”, perguntara o menino. “Ainda não”, frustrou-o Luiza “Há de me convencer... e há de ser romântico!”. E pôs-se a sonhar: “belas flores, sol brilhante, beijo em frente ao mar...”, dizia, encantada com o próprio pensamento. Até que, vendo que a dúvida já tomava o rosto do rapaz, tranqüilizou o seu ainda pretendente: “Fique tranqüilo: quando o fizeres, logo saberás”, disse, por fim, fingindo pose de fidalga. E assim se seguiu até o dia atual...

Hoje: rosa entregue (“é tão bonita!”) e fogo no peito... João ainda não acreditara no convite de encontro feito pela amada. “Naquele banquinho em frente aos pedalinhos, que tal?”. Com certeza era o grande dia. Ela acertara: ele, de fato, sabia. Mas como faria, o que falaria e o que vestiria? Foi uma noite de muito a sonhar.

Luiza e João de nada falaram. Permaneceram lado a lado. Ainda sentados, olhos nos pedalinhos. A coragem do menino, no entanto – aquela mesma que já o forçara da primeira vez – pouco a pouco ia ganhando força: em breve estaria pronta. E, quando finalmente parecia forte...

- A Lagoa é tão linda... - disse primeiro a timidez de Luiza.
- Dá vontade de mergulhar. Não é um sonho? - respondeu João, numa mescla de impulso e verdade.
- É... – respondeu, antes de continuar - Sabia que é salgada?
- Sabia sim. O canal liga o mar até aqui. É pra ele pode descansar um pouco. Deve ser dura a vida do mar! – disse João, ao mesmo tempo em que se virava pra ver o sorriso que tanto amava.

Dois minutos de prosa haviam se passado. E agora, mais quinze segundos de silêncio.

Ela se aproximou do rapaz, olhou em seus lábios, juntou nos seus. Os olhos fechando simultaneamente...

Quinze novos segundos se passam, talvez até um pouco menos.

- Um beijo em frente ao mar – disse a menina entre dois belos sorrisos.
- E flores! - completou, radiante, o jovem João, apontando pra rosa que há pouco trouxera.

E ali ficaram absortos no amor.

Infelizmente, o namoro não durou. O primeiro beijo foi também o último. Mais tarde, a família e a menina sairiam do Rio rumo à capital (que, pra tristeza de Luiza, sequer tinha água salgada). Aquele beijo, em frente ao mar da Lagoa Rodrigo de Freitas, seria pra sempre por eles guardado. Quem sabe, assim, não sentiam menos falta?

O jovem João, ainda tão cheio daquela saudade, desejou com extrema intensidade a letra que pra ela um dia fizera: “Mas se ela voltar, se ela voltar/ Que coisa linda, que coisa louca/ Pois há menos peixinhos a nadar no mar/ Do que os beijinhos que eu darei na sua boca”. O título: chega de saudade.

Tempos depois, já não tão jovem assim, João abre o jornal e se desespera:


O desejo, pensou, não devia ter feito com tanta intensidade.

E chorou.

Era o fim do sonho.

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João Pereira Oliveira, o verdadeiro: “João Gilberto Prado Pereira de Oliveira, criador da bossa nova e da incrível música “Chega de Saudade”.

Comentários

  1. Adorei!
    Lendo, nem se percebe o tempo passar...
    O próprio texto está bem "bossa-nova". Ao pé do ouvido, detalhes sutis... Uma beleza, de verdade.

    Parabéns pelo blog.
    Ganhou uma leitora.

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  2. Humm..to sentindo até o cheiro da pipoca.
    Que literatura linda! =)
    parabéns, amor! ;)

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  3. Que doce, hein.
    Muito bom rapaz. :)

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  4. Gostei do final, nem havia percebido a correlação entre a letra e o conto. To te seguiindo no twitter, mas não estou conesguindo te seguir aqui. Voce tem google conect? Tem novo post no meu blog.
    http://stefanisatiro.blogspot.com

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